OPINIÃO

Ainda escreve à mão? Resistência do papel e caneta em tempos digitais

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Por Ana Rita Matias, Professora do Departamento de Desporto e Saúde e Investigadora no Comprehensive Health Research Centre, da Universidade Évora

 

Porque ainda escrevemos à mão? Será a escrita a o último reduto das habilidades manuais? No dia 23 de janeiro celebra-se o Dia Mundial da Escrita Manual, atividade que conta com quase quatro mil anos de existência. A realização de marcas gráficas, em forma de letras, foi uma das primeiras atividades dos primeiros humanos. As palavras escritas são a representação visual da nossa língua falada, e a escrita é uma representação pessoal da diversidade da linguagem.

Na educação, a escrita manual esteve sempre presente sendo transversal às diversas disciplinas. Atualmente ainda é expectável que a crianças passem pelo menos metade do tempo em sala de aula, dedicando-se a esta atividade. E muitos resistem, não só pelas dificuldades que encontram, mas também perante a pressão tecnológica. Em relação às primeiras, há que repensar a fonte de letra que é ensinada às crianças. É demasiado elaborada e há opções mais atuais e simples. Quanto à tecnologia, muitas são as soluções para substituir o uso do papel e da caneta. Independentemente das tarefas sabe-se que a escrita manual ativa áreas do cérebro diferentes daquelas utilizadas quando escrevemos num computador ou num telefone. O que não é de admirar pois sendo a escrita um movimento que implica competências motoras, percetivas e cognitivas, resultará numa estimulação multidimensional. Acresce o facto de a escrita reforçar o processo da leitura e organizar os pensamentos, auxiliando a retenção de informação.

Este tem sido um tema desenvolvido ao nível da pesquisa. De alguns anos a esta parte, tem-se investigado se as crianças que estão a finalizar o pré-escolar, estão ou não em condições de aprender formalmente a escrever. Tal permite uma atuação precoce em caso de fragilidades, e previne a instalação de possíveis dificuldades no futuro. Também se tem analisado a escrita como potencial auxiliar no diagnóstico precoce nas doenças neurodegenerativas.

Para além desta dimensão funcional existe também, logo um lado mais emocional da escrita. As primeiras palavras escritas permanecem muito próximas do desenho. A criança vai copiando as formas que surgem e para entrar na escrita, incorpora a letra e o seu sentido. E evolui até que a forma como escrevemos espelham o nosso estado de alma, exprime o que está em nós, com uma pressão e ritmos próprios. Perpetua as nossas ideias e sentimentos.

Neste alinhamento, vem, por fim, uma dimensão criativa. Vejam-se os trabalhos de Ana de Aragão, arquiteta portuense, com as reproduções gráficas manuais de cidades e não só. Ou a escritora Agustina Bessa- Luis que sempre se manteve fiel à escrita manual.

Muitos advogam que a escrita manual deve ser abandonada por ser algo do passado. O que se verifica é que as crianças não só aprendem a ler mais rapidamente quando aprendem a escrever à mão, como também continuam a ser mais capazes de gerar ideias e reter informação. Ou seja, não é apenas o que escrevemos que importa – mas como… O futuro desafio está em manter um equilíbrio saudável entre o que é o uso da escrita manual e o uso de tecnologia.

 

Publicado em 23.01.2025