OPINIÃO

Uma Saúde: do Conceito à prática

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* Por Docentes da Escola de Ciências Médicas e da Saúde e da Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade de Évora

No dia 3 de novembro de 2022 é assinalado, pela sétima vez, o dia anual da One Health (Uma Saúde) [1], uma campanha internacional que celebra e chama a atenção para a necessidade de uma abordagem One Health para promover a saúde como um todo, com base na compreensão dos fenómenos e desafios próprios das conexões homem-animal-ambiente.

Esta é uma abordagem colaborativa, multissetorial e transdisciplinar – trabalhando nos níveis local, regional, nacional e global – com o objetivo de resolver desafios críticos de saúde pública associados às referidas conexões. As acções mais visíveis até à data têm sido desenvolvidas no âmbito de zoonoses (relativas à transmissão de um agente infeccioso dos animais para o homem e vice-versa), doenças infecciosas emergentes, resistência antimicrobiana, poluição ambiental, segurança alimentar e dos alimentos e muitos outros problemas, muitos deles exacerbados pelas alterações climáticas [2,3]. Nesta celebração pretende-se sensibilizar as comunidades, as instituições e os decisores políticos para as ligações existentes entre a saúde humana, animal, vegetal e dos ecossistemas, de que é exemplo a recente pandemia Covid-19 [2,4], e promover a abordagem One Health no sentido de criar um mundo mais saudável para todos.

Em Dezembro de 2021, a Plus One Tripartite Association [composta pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), pela Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS)] e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), adoptou a definição operacional de One Health do One Health High-Level Expert Panel (OHLEP), o que significou um marco importante para a integração da abordagem One Health na preparação e resposta a futuras ameaças à saúde global [5]: "Uma Saúde é uma abordagem integrada e unificadora que visa equilibrar e optimizar de forma sustentável a saúde das pessoas, animais e ecossistemas.

Reconhece que a saúde dos seres humanos, animais domésticos e selvagens, plantas e meio ambiente (incluindo ecossistemas) estão intimamente ligados e interdependentes. A abordagem mobiliza vários setores, disciplinas e comunidades em vários níveis da sociedade para trabalhar juntos no sentido de promover o bem-estar e enfrentar ameaças à saúde e aos ecossistemas, ao mesmo tempo que atende à necessidade coletiva de água limpa, energia e ar, alimentos seguros e nutritivos, actuando nas mudanças climáticas e contribuindo para o desenvolvimento sustentável" (Figura 1).

Não sendo um conceito inovador, tendo diversos cientistas ao longo dos séculos reconhecido a transmissão de agentes patogénicos entre humanos e animais, dos quais se destacou Rudolf Virchow, que cunhou o termo zoonose, foi depois dos eventos da BSE (Encefalopatia Espongiforme Bovina) e da Gripe aviária, que se começou a enfatizar mais a relação existente entre saúde humana, animal e ambiental [3,6]. O conceito assenta numa visão holística colaborativa que atende aos principais determinantes da saúde, na interface animal-homem-ambiente, privilegiando os contextos sócioeconómicos, ecológicos e culturais, no sentido da promoção da saúde e da sustentabilidade [7,8].

Em abril de 2010 é oficializada a relação entre as três principais organizações supranacionais a trabalhar na área da saúde nas suas múltiplas esferas, através da publicação do documento “The FAO-OIE-WHO Collaboration Sharing responsibilities and coordinating global activities to address health risks at the animal-human-ecosystems interfaces. A Tripartite Concept Note”, que prevê iniciativas conjuntas com o objetivo de desenvolver normas e recomendações que orientem as diferentes nações a adotar uma metodologia de trabalho “Uma Saúde”, dentro das linhas de trabalho nele abordadas [9].

A abordagem “Uma Saúde” obriga a uma governança intersectorial, interprogramática e interdisciplinar, capaz de promover as medidas necessárias para proteger a saúde das pessoas, dos animais e do meio ambiente de forma integrada; por outro lado, contribui para o fortalecimento e institucionalização do diálogo intersectorial entre Saúde, Agricultura e Meio Ambiente, muito particularmente entre as comunidades médica, veterinária, ambiental e educacional [10,11]. Nesse sentido, a Organização Pan-Americana para a Saúde, na sua 17th Inter American Ministerial Meeting on Health and Agriculture/One Health and the Sustainable Development Goals, realizada em 22 de julho de 2016, em Asunción, Paraguai, fez a recomendação aos seus Países membros que considerassem a inclusão dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) [12] nas suas políticas, planos e programas, tendo em conta as suas realidades nacionais e locais, de acordo com o previsto na Agenda 2030, em articulação com a prática “Uma Saúde”, de modo a que a implementação efetiva desta permita concretizar e atingir as metas neles previstas [10]. Também Queenan et al [13] e Sinclair [14] realçam a necessidade de uma abordagem integrada da saúde, considerando fundamental o estabelecimento e a aplicação de políticas governamentais com base no conceito/abordagem “Uma Saúde”, no sentido de concretizar a Agenda 2030, sendo várias as instituições supranacionais que tentam promover a adopção de intervenções transversais no sentido de majorar a capacidade de alcançar e concretizar as metas de vários dos ODS, em particular o ODS-3 (Saúde e Bem-estar: Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades) [3].

A atual situação económica e política é propícia ao investimento e à promoção do conhecimento em saúde pública, em particular na perspetiva “Uma Saúde”, devendo focar-se na intersecção e partilha de informação e recursos nos contextos da tríade definida: Saúde Humana, Saúde Animal e Saúde Ambiental.

 

*Autores

Fernando Capela e Silva, Professor do Departamento de Ciências Médicas e da Saúde, Escola de Saúde e Desenvolvimento Humano, Universidade de Évora.

Margarida Simões, Professora do Departamento de Medicina Veterinária, Escola de Ciências e Tecnologia, Universidade de Évora. E-mail: mpsimoes@uevora.pt

Victor Ramos, Professor do Departamento de Ciências Médicas e da Saúde, Escola de Saúde e Desenvolvimento Humano, Universidade de Évora. E-mail: vramos@uevora.pt

Manuela Vilhena, Professora do Departamento de Medicina Veterinária, Escola de Ciências e Tecnologia, Universidade de Évora. E-mail: mmcv@uevora.pt

 

 

Referências bibliográficas

1. One Health Day (2022). One Health Comission and One Health Initiative. https://onehealthday.com/ (consultado em 23 de Outubro de 2022).

2. Capela e Silva F, Simões M, Ramos V, Vilhena MM. COVID-19, Uma Saúde e Saúde Global. Desenvolvimento e Sociedade 2021; 10:21-35.

3. Capela e Silva F, Simões M, Vilhena M. Desenvolvimento sustentável e a abordagem "Uma Saúde". In Collares-Pereira M (Coord.) Desenvolvimento Sustentável: Verdade e consequências. 1a edição. Documenta, Rua Passos Manuel, Lisboa; 2022. ISBN 978-989-8833-86-0, pp.99-131.

4. Prata JC, Ribeiro AI, Rocha-Santos T. An introduction to the concept of One Health. In: Prata JC, Ribeiro AI, Rocha-Santos T, editors. One Health. Integrated approach to 21st century challenges to health. London: Academic Press. p. 1–31, 2022. ISBN 9780128227947. Doi: 10.1016/B978-0-12-822794- 7.00004-6.

5. WHO (2021) Tripartite and UNEP support OHHLEP's definition of "One Health"; Joint Tripartite (FAO, OIE, WHO) and UNEP Statement. https://www.who.int/news/item/01-12-2021-tripartite-and-unep-support-ohhlep-s-definition-of-one-health (consultado em 23 de Outubro de 2022).

6. Brunkow C, Haas S, Walker R. One Health formally defined: mainstreaming the approach to respond to future global health threats One Health Newsletter 2022; 14(1) https://www.vet.k-state.edu/about/news-events-publications/OneHealth/Vol14-Iss1/global-health-threats.html (consultado em 23 de Outubro de 2022).

7. Destoumieux-Garzón D, Mavingui P, Boetsch G, Boissier J, Darriet F, Duboz,P, Fritsch C, Giraudoux P, Le Roux F, Morand S, Paillard C, Pontier D, Sueur C, Voituron Y. The One Health Concept: 10 years old and a long road ahead. Frontiers in Veterinary Science 2018, 5(14). Doi: 10.3389/fvets.2018.00014.

8. Wegner GI, Murray KA, Springmann M, Muller A, Sokolow SH, Saylors K, Morens DM. Averting wildlife-borne infectious disease epidemics requires a focus on socio-ecological drivers and a redesign of the global food system. EClinicalMedicine 2022; 47:101386. Doi: 10.1016/j.eclinm.2022.101386.

9. FAO-OIE-WHO (2010) Collaboration Sharing responsibilities and coordinating global activities to address health risks at the animal-human-ecosystems interfaces. A Tripartite Concept Note. https://www.fao.org/3/ak736e/ak736e00.pdf (consultado em 23 de Outubro de 2022).

10. PAHO 2016. 17th Inter American Ministerial Meeting on Health and Agriculture: “One Health and the Sustainable Development Goals”. RIMSA 17 Recommendations, Asunción, Paraguay 21-22 July 2016 (consultado em 24 de Outubro de 2022).

11. Pelican K, Salyer SJ, Barton Behravesh C, Belot G, Carron M, Caya F, De La Rocque S, Errecaborde KM, Lamielle G, Latronico F, Macy KW, Mouille B, Mumford E, Shadomy S, Sinclair JR, Dutcher T. Synergising tools for capacity assessment and One Health operationalisation. Revue Scientifique et Technique. 2019; 38(1):71-89. Doi: 10.20506/rst.38.1.2942.5

12. United Nations (2022) Do you know all 17 SDGs? https://sdgs.un.org/goals (consultado em 24 de Outubro de 2022).

13. Queenan K, Garnier J, Nielsen LR, Buttigieg S, de Meneghi D, Holmberg M, Zinsstag J, Rüegg S, Häsler B, Kock R. Roadmap to a One Health Agenda 2030. CAB Reviews Perspectives in Agriculture Veterinary Science Nutrition and Natural Resources 2017; 12(014). Doi: 10.1079/PAVSNNR201712014.

14. Sinclair JR. Importance of a One Health approach in advancing global health security and the Sustainable Development Goals. Revue Scientifique et Technique 2019; 38(1):145-154. Doi: 10.20506/rst.38.1.2949.

Publicado em 03.11.2022