Alimentação Saudável e Sustentável: o Vegetarianismo é a resposta?
O ato alimentar nas sociedades contemporâneas é complexo e pluriforme. Questionar as práticas alimentares ditas desequilibradas e desreguladas para a saúde dos indivíduos, faz emergir o binómio alimentação-saúde, naturalizando as práticas do consumo alimentar numa lógica de ato médico.
Diabolizam-se os produtos alimentares de baixo teor nutritivo e os relacionados com certas patologias, e glorificam-se os demais que os experts consideram como potenciadores do corpo-são. Se é verdade que se encontra pulverizado nos medias, uma certa ideia homogeneizadora de modelos de consumo alimentar ditos saudáveis onde o vegetarianismo encontra um lugar privilegiado de passagem, não é menos verdade que as práticas alimentares, traduzidas pela diversidade gastronómica à escala planetária, oferece-nos não só uma visão plural do mundo, mas também uma diversidade de produtos alimentares, modos de confeção e de consumo distintos e distinguidores que revalorizam cada vez mais os suportes simbólicos das tradições e as identidades de pertença dos indivíduos. Efetivamente, mais do que um mero agir de consumo de nutrientes para a satisfação das necessidades primárias de sobrevivência dos indivíduos, os hábitos e as práticas alimentares são construídas dentro das condições materiais e sociais de sobrevivência, moldados quer pela disponibilidade de produtos de consumo, quer por códigos de escolhas específicos, aprendidas e marcadas pelas racionalidades dos códigos culturais específicos de dado contexto social.
Porém, muitos são os factores que influenciam as decisões que tomamos sobre o que comemos. E essas decisões não são inócuas, pois aquilo que comemos influencia a nossa saúde e a saúde do planeta. O último relatório regional da Organização Mundial de Saúde, de 2022, mostra que o excesso de peso, na população adulta de alguns países europeus, ronda os 70% (WHO, 2022). Por outro lado, a FAO classificou o ano de 2021 como o ano dos frutos e hortícolas, de modo a sensibilizar a população mundial para a necessidade de aumentar o consumo dos mesmos (FAO, 2020). Em Portugal, dados do IAN-AF Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física mostram que o consumo de alimentos de origem vegetal também se tem revelado claramente insuficiente, observando-se que, em termos médios, o consumo de hortícolas é pouco mais de metade das recomendações constantes na roda dos alimentos.
Num nível básico, a escolha de alimentos é limitada pela sua disponibilidade e acessibilidade. Mas há muitos outros fatores que influenciam a escolha de alimentos. No que concerne aos aspetos psicológicos associados à opção por um padrão alimentar vegetariano, a investigação tem mostrado que os valores e as crenças pessoais desempenham um papel central. Os defensores de uma dieta isenta de carne e outros produtos derivados do animal, acreditam que esta é mais saudável e que pode contribuir para a preservação dos recursos naturais do planeta, para a diminuição da fome no mundo e a crueldade contra os animais. Por um lado, a investigação sugere que ser vegetariano está associado a qualidades pessoais positivas, como moralidade, integridade, empatia, ser liberal e auto-sacrifício por um bem maior. Indivíduos mais altruístas parecem ser também mais adeptos do vegetarianismo, enquanto valores tradicionais como lealdade, obediência e segurança familiar parecem estar negativamente associados à adoção de uma dieta vegetariana. Por outro lado, o padrão alimentar vegetariano é frequentemente visto como mais do que uma simples preferência alimentar, como um estilo de vida autodefinido, composto por crenças éticas e morais fortemente sustentadas na qualidade do tratamento de animais durante a produção de carne e outros produtos de origem animal.
Além de fatores psicológicos, existem fatores biológicos, como a perceção sensorial que podem dificultar a aceitação de alimentos vegetais. Enquanto que os farináceos, como as batatas ou arroz, são ricos em amido - o qual se converte na boca em glúcidos simples (açúcares), alguns dos quais doces -, os hortícolas são pobres em amido e frequentemente ricos em compostos bioactivos (e.g. polifenóis) que, apesar de serem vantajosos na prevenção de diversas doenças, estão normalmente associados a paladares amargos e/ou ácidos ou mesmo à sensação de adstringência (i.e. sensação de secura e aspereza sentidas na boca aquando da sua ingestão). A existência de diferenças fenotípicas na sensibilidade para os diferentes paladares (sensibilidade gustativa) e aromas, ajuda a explicar as diferentes preferências e escolhas alimentares, nomeadamente por alimentos vegetais. Um estudo recente, feito na nossa universidade, mostra que uma maior sensibilidade para o doce se associa a maior preferência por alguns frutos e vegetais.
Uma combinação de preocupações com a saúde, o bem-estar animal e a sustentabilidade ambiental têm sido apontados como motivo para a adoção de uma dieta vegetariana. E ainda que possa ser discutível a opção pelo vegetarianismo ou pelo veganismo, as vantagens de uma dieta de base vegetal parecem hoje claras. As dietas que excluem totalmente os produtos de origem animal são desafiantes, na medida em que pode ser difícil garantir o aporte de nutrientes essenciais ao metabolismo humano, configurando alguns riscos para a saúde, em particular de crianças e jovens. Em 2019, um grupo de peritos reunido para refletir sobre a alimentação (Eat-Lancet Comission), propôs o conceito de dieta planetária como uma dieta equilibrada, com as maiores vantagens para a saúde e sustentável do ponto de vista ambiental. Por definição, a dieta planetária remete para um padrão alimentar no qual a maior parte (proporção) dos alimentos é de origem vegetal, não excluindo os produtos de origem animal, mas aconselhando o seu consumo em pequenas quantidades e com pouca frequência, respeitando a sazonalidade dos produtos, o modo de produção e a origem local dos mesmos. De algum modo, os conceitos de dieta planetária e de Dieta Mediterrânica sobrepõem-se, sendo este último o padrão alimentar atualmente recomendado pela Direção Geral de Saúde em Portugal.
Apesar da população portuguesa atualmente ter um consumo médio de alimentos de origem vegetal claramente inferior às recomendações, conforme referido anteriormente, uma consultora de estratégia e inovação no setor alimentar realizou um estudo em 2019, posteriormente repetido em 2021, cujos resultados mostram que há uma percentagem crescente de portugueses a integrar o grupo vulgarmente conhecido como veggies. Este grupo inclui os regimes veganos, vegetarianos e flexitarianos. Este último aparece como um regime em que, apesar da dieta consistir fundamentalmente em alimentos de origem vegetal, há alguma flexibilidade para incluir carne e/ou peixe em pequenas quantidades e ocasionalmente. Este estudo, designado The Green Revolution, revela que em 2019 cerca de 9% da população portuguesa era veggie, tendo a mesma aumentado para cerca de 11% em 2021. Este aumento parece dever-se fundamentalmente aos flexitarianos, que representam o maior segmento atingindo atualmente 9,3%. O grupo de flexitarianos é maioritariamente constituído por mulheres, adolescentes e jovens adultos. Esta passagem de um regime baseado num consumo frequente de proteína animal para o regime flexitariano, em vez de regimes mais rígidos como o vegetariano ou vegano, parece dever-se ao facto de uma parte substancial das pessoas não querer deixar de consumir totalmente produtos de origem animal, dada a palatabilidade dos mesmos e também o seu elevado valor nutricional, mas pretender apenas reduzir o seu consumo, por motivos associadas à saúde, ao ambiente ou mesmo ao bem-estar animal.
Embora seja crescente a adesão a dietas alternativas ao consumo de carne, pescado e laticínios, a questão que se coloca é se nós, como espécie, alguma vez vamos remover completamente os animais da nossa dieta. Não existindo dúvidas acerca da necessidade da adopção de dietas nutricionalmente e ambientalmente sustentáveis, como foi referido anteriormente, há também que considerar a necessidade de alimentar uma população cada vez maior e com diversos desafios. Com efeito, por mais que se consigam alterações nos padrões alimentares, é difícil que se venha a abandonar totalmente a produção animal. Há diversos motivos para isto, nomeadamente o facto do setor animal ser uma fonte de rendimento importante nalguns países sub-desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento, assim como pelo facto dos alimentos de origem animal terem benefícios nutricionais, o que em países pobres, onde a diversidade alimentar é limitada, se pode constituir como uma grande vantagem no fornecimento de macro e micronutrientes.
Em suma, em muitos dos países desenvolvidos, observa-se atualmente uma saudável tendência pela escolha de dietas de base vegetariana, em particular as de linhas mais moderadas, movida por fatores psicológicos e de adaptação cultural à necessidade de um padrão de alimentação saudável e sustentável, entre os quais se contam a consciência de um conceito de saúde global a nível planetário, que inclui a saúde humana, animal e ambiental.
Artigo de opinião por:
Carlos da Silva, Célia M. Antunes, Fernando Capela e Silva, Sofia Tavares
Escola de Saúde e Desenvolvimento Humano, da Universidade de Évora