Investigadora da Universidade de Évora distinguida internacionalmente por modelo matemático de corta-fogos

“Este é o primeiro modelo a tentar a modelação de incêndios de uma perspetiva multi-escala que recorrendo ao modelo de rede multi-camadas permite de uma forma muito organizada descrever o problema muito complexo dos incêndios florestais” assim refere Sara Perestrelo, investigadora da Universidade de Évora (UÉ) envolvida no projeto CILIFO (Centro Ibérico de Investigação e Combate aos Incêndios Florestais), e recentemente distinguida com o Young Research Award atribuído pela Wolfram Research no decorrer da SymComp, 5th International Conference on Numerical and Symbolic Computation Developments and Applications que pretendeu distinguir os melhores trabalhos apresentados por jovens investigadores com menos de 40 anos de idade ou doutorados há menos de 10 anos.

O objetivo do trabalho “Modelling Forest Fires using Complex Netwoks” agora premiado foi criar um modelo que prevê o tempo médio de espalhamento de um incêndio a partir de um ponto de ignição conhecido, e a sua estrutura baseia-se no modelo de redes multicamadas. O modelo de redes multicamadas consiste assim numa rede de maior escala constituída por redes de menor escala.

“No caso dos incêndios, a experimentação em larga escala é inconveniente, pelo que temos de recorrer ao estudo da sua dinâmica a uma escala que minimize os danos inerentes à experiência” frisa a investigadora do Centro de Investigação em Matemática e Aplicações (CIMA), da Universidade de Évora.

“No nosso trabalho, começamos por definir dois conceitos essenciais: a escala local e a escala da paisagem”, sublinha a investigadora explicando que a primeira (escala local) é definida pelo alcance até onde é possível definir e medir um conjunto de características mensuráveis do terreno, como o tipo de vegetação, a densidade de vegetação, declive, percentagem de matéria morta, entre outras. A segunda, (escala da paisagem) é a escala à qual cada porção de terreno definida na escala local é o objecto de estudo, sendo que, a esta escala maior, as características do terreno já não interessam para análise.

“A título de exemplo, podemos definir uma seara, uma floresta e uma zona arbustiva, delimitando as três zonas em que cada tipo de vegetação se encontra, sabendo as respectivas características do terreno” refere Sara Perestrelo. Essa delimitação é estabelecida à escala local, definindo assim três redes locais – uma para cada zona –, onde é estudado o comportamento expectável do fogo em cada uma, recorrendo a simulações computacionais. Destas simulações, “obtemos o tempo médio de espalhamento do incêndio em cada uma das zonas” avança a investigadora referido que, a escala da paisagem, “os elementos de estudo são as redes locais, como nodos que constituem a rede maior”.

Esta última é uma rede parametrizada pelos tempos médios de espalhamento de um incêndio entre cada par de redes locais. “A rede à escala da paisagem já tem um tratamento mais matemático, do ponto de vista das Redes Complexas, e do qual se podem extrair medidas de redes, como o tempo médio de espalhamento do fogo em toda a rede” explica.

Quando esta rede de redes é aplicada a uma determinada geografia, “o conhecimento destas medidas é importante para o estabelecimento de mosaicos de supressão de incêndio, mais vulgarmente conhecidos como corta-fogos” acrescenta, bem como para uma posterior articulação com as forças de combate aos fogos. Também é possível a aquisição e o tratamento de dados de cada rede local de forma independente, sem prejuízo para a estrutura global da rede de redes aplicada a uma dada geografia.

“O estudo da dinâmica local é o mais delicado do projecto, dado o número de variáveis nela envolvidas” considera Sana Perestrelo, revelando que “cada rede local é consistida por uma grelha de células quadradas, que traduzem um autómato celular onde se desenrolam as simulações computacionais que modelam o comportamento do fogo”.

"Usamos o modelo epidemiológico SIR, que atribui, a cada célula, um de três estados possíveis, susceptible, infected, recovered/removed, que fazemos corresponder aos estados unburned, burning, burned” esclarece, avançando neste ponto que o modelo pode ter mais ou menos resolução, “de acordo com o detalhe do levantamento do terreno mas, para as simulações funcionarem na rede local, dois parâmetros são necessários: a área da zona delimitada e a velocidade do fogo expectável naquele terreno”.

Um estudo difícil dado as caraterísticas

“Sabemos que não é fácil calcular a velocidade de propagação do fogo, por isso partirmos de zonas delimitadas com um conjunto de características bem definidas para reduzir o erro” indica a investigadora realçando que “a estimativa para a velocidade do fogo é feita recorrendo a modelos de fogo e o que obtemos é o tempo de espalhamento entre combinações de duas redes locais, que usamos para parametrizar a rede à escala da paisagem”.

Até à conceção do modelo, sabe-se que uma rede de redes no contexto dos incêndios florestais é um modelo possível de aplicar em condições específicas de terreno, combustível e meteorologia, permitindo uma análise multi-escala. 

“Este é o início de um longo percurso que vai obter muitos resultados e conclusões, consoante as diferentes geografias da sua aplicação” espera a investigadora que contou com a colaboração para a realização desta investigação de Nuno A. Ribeiro, professor do Departamento de Fitotecnia e investigador do ICT, de Clara Grácio, professora do Departamento de Matemática e investigadora do Centro de Investigação em Matemática e Aplicações (CIMA) e de Luís Mário Lopes professor do ISEL e investigador também do CIMA.

Publicado em 09.04.2021