Laboratório de Ciências do Mar, um segmento de memória

Por Jorge Araújo

Em maio de 1991, no decurso do IV Congresso sobre o Alentejo que decorreu em Sines, ofereceu-se-me a oportunidade de questionar o Presidente da Câmara, Francisco do Ó Pacheco, sobre a sua disponibilidade para ceder, à Universidade de Évora, instalações com vista à criação de um laboratório de biologia marinha. A resposta não podia ter sido nem mais pronta nem mais satisfatória: fomos de imediato visitar o edifício da antiga “Casa do Gaiato”, localizado junto à praia Vasco da Gama, e verificámos que reunia as condições suficientes para a implantação de um laboratório de apoio ao ensino e à investigação, incluindo camaratas para alojamento dos estudantes.

Convencer a Reitoria, perspetivava-se uma operação mais difícil. Mas, na realidade, assim não foi. Após uma visita ao local com o Vice-Reitor Prof. António Pinheiro, o Reitor, Prof. António Santos Júnior, anuiu e o Senado aprovou a criação de uma “antena” da Universidade de Évora em Sines. O Laboratório de Ciências do Mar foi formalmente criado pela ordem de Serviço 11/91.

A abertura de concurso para a contratação de dois biólogos “marinhos” também colheu a autorização do Reitor, sem qualquer hesitação.

Com a contratação do João Castro e da Teresa Cruz, dois jovens biólogos licenciados pela Faculdade de Ciências de Lisboa, deu-se vida ao laboratório, montaram-se bancadas e aquários, iniciaram-se as aulas (foto) e os projetos, e começou a gerar-se a ambição de edificar instalações próprias mais perto do mar. Nesse tempo, a CCRA (ainda não tinha o D na sua sigla) presidida pelo Dr. António Carmelo Aires, custeou a criação de uma unidade de microbiologia ambiental.

Afigurou-se-nos desde logo que o local ideal para a implantação do futuro laboratório seria a norte das zonas portuária e petroquímica, no cimo da escarpa rochosa sobranceira ao Atlântico, diante das chamadas “pedras amarelas” onde o mar tapa e destapa ao sabor das marés, uma imensa biodiversidade intertidal: era um sonho inatingível visto tratar-se de uma zona “non aedificandi”; jamais autorizável pela tutela do ambiente!

Mas, em Abril de1994, tem lugar a última presidência aberta do Dr. Mário Soares, subordinada ao tema “ambiente e qualidade de vida”, com início no dia 4, em Sines. O Presidente fez-se acompanhar pela Ministra do Ambiente, Dr.ª Teresa Patrício Gouveia. O programa incluiu uma visita ao Laboratório da Universidade de Évora (foto) e, num intervalo das atividades, levei a Sr.ª Ministra a passear à costa norte, onde demonstrei fazer todo o sentido implantar um laboratório de biologia marinha. Teresa Patrício Gouveia foi sensível à argumentação e prontificou-se a apoiar a nossa pretensão. Todavia... a 31 de outubro desse ano, o XI Governo, presidido pelo Prof. Cavaco Silva, chegou a termo, sem que o processo tenha ficado minimamente consolidado.

A ambição, com altos e baixos, atravessou os anos e passou o virar do século, espreitando as oportunidades de financiamento, confrontando-se sempre com o dilema: sem terreno não nos seria atribuído financiamento; mas sem financiamento, não nos seria concedido o terreno.

Para que a ausência de projeto não pudesse vir a constituir, a todo o momento, um entrave, sugeriu-se que os estudantes de arquitetura dessem largas à sua criatividade e concebessem projetos para o Laboratório de Ciências do Mar no pressuposto de que este viria ser, um dia, construído naquele local da costa norte. Foram diversas e muito interessantes as propostas que surgiram, algumas arrojadas e criativas. Mas coube ao Prof. Pedro Gameiro a realização do projeto real.

Seria fastidioso enumerar agora os diversos episódios desta saga, tantos e tão dececionantes foram. Mas coube à atual reitoria o mérito – ao qual subjaz uma assinalável tenacidade - de ter alcançado o duplo objetivo: o financiamento e a concessão do terreno. 

Decorreram cerca de 25 anos desde a anuência verbal da Sr.ª Ministra do Ambiente, até à assinatura do contrato de concessão dos terrenos, pela APS, que teve lugar no passado dia 15 de Janeiro, na sede da Administração do Porto de Sines. Assinaram o contrato a Reitora da Universidade de Évora, Prof. Ana Costa Freitas (foto) e o Presidente da Administração dos Portos de Sines e do Algarve, Eng.º José Luís Cacho (foto). Presente esteve ainda vereadora da C. M. de Sines, a bióloga Paula Ledo que, facto curioso, foi uma das primeiras estudantes da UÉvora a frequentar as aulas de biologia marinha no nosso laboratório!

O lema do IV Congresso sobre o Alentejo era abrir novos rumos. Um novo rumo foi efetivamente aberto que colocou a Universidade de Évora entre os protagonistas da investigação marinha, em Portugal.

Agora temos o projeto, o financiamento, a posse do terreno e o apoio imprescindível da Câmara Municipal de Sines. É só construir!

 

Jorge Araújo, Professor Emérito e antigo Reitor da Universidade de Évora

Publicado em 20.01.2020