Laboratório de Fonética: repensar centros e periferias científicas no século XX

A tecnologia de reconhecimento e síntese de fala está omnipresente na sociedade actual e a Fonética Experimental é a base do desenvolvimento dessas tecnologias. Os sistemas de controle por fala usados em telemóveis, dicionários digitais, sites adaptados para deficiências visuais ou ambientes de educação à distância são exemplificativos de novas interfaces de comunicação homem-máquina desenvolvidos graças a contribuições fundamentais da Fonética Experimental. De facto, para além das importantes aplicações ao ensino de línguas, a Fonética Experimental tem estudado os processos neuronais, fisiológicos e acústico-articulatórios envolvidos na produção da fala, assim como as componentes auditivas, neuronais e psicológicas da percepção da fala, criando a base científica do actual desenvolvimento tecnológico. E desse aprofundado conhecimento dos processos de controle articulatório e da aquisição da língua materna no início da vida, a Fonética Experimental está também na base de estratégias terapêuticas como a intervenção em diversos tipos de gaguez ou reabilitação de afasias. No entanto, a grande importância da disciplina contrasta com o desconhecimento que, a nível internacional, ainda há sobre a sua história. Ao contrário da linguística, que possui uma longa tradição historiográfica, a evolução da compreensão dos sons da fala humana tem sido desvalorizada pelos foneticistas e pelos historiadores de ciência, sendo praticamente ignorada a evolução e o papel assumido pelas suas teorias, as suas técnicas, instrumentos, instituições e grande parte dos seus actores. O projecto PHONLAB pretende promover o conhecimento sobre a evolução da Fonética Experimental, integrando o seu desenvolvimento nos estudos de História da Ciência. O Laboratório de Fonética Experimental de Coimbra (1936-79) será o nosso caso de estudo. Criado pelo foneticista português Armando de Lacerda (1902-84), este laboratório atraiu cientistas das principais universidades, como Harvard, Cambridge ou Sorbonne, visando a sua especialização nas inovadoras técnicas de investigação aplicadas no laboratório, as quais não eram usadas noutros laboratórios do mundo. Como se explica que num país considerado cientificamente atrasado existisse um laboratório entendido como o mais avançado da Europa em meados do século XX? Que factores contribuíram para esta atractibilidade científica numa periferia europeia? Como se explica que atraísse investigadores dos centros científicos mundiais? Quem foram estas personalidades que se especializaram em Fonética Experimental em Coimbra? Que estudos realizaram aí e como se repercutiram nas suas carreiras? Qual o impacto dos trabalhos deste laboratório na sociedade? Em que consistiram e qual foi o percurso das técnicas e instrumentos inovadores do Laboratório de Fonética de Coimbra? Em que medida o policromógrafo criado por Lacerda em 1932 contribuiu para a actual tecnologia de síntese e reconhecimento automático da fala? A ambição do PHONLAB é contribuir para o conhecimento de um tema crucial e negligenciado na história global. Pretendemos biografar o Laboratório de Fonética de Coimbra, identificando e documentando os métodos, instrumentos e técnicas, reconhecendo os seus actores e as suas redes científicas. Pretende-se assim entender o impacto científico e social deste laboratório a nível mundial. A pertinência deste projecto reside também no facto de se encontrarem em acelerada degradação e ameaça de desaparecimento inúmeras fontes históricas inéditas que respeitam a actividade deste laboratório e que mostram a evolução da Fonética Experimental ao longo do século XX. Várias fontes documentais e materiais foram identificadas na Universidade de Coimbra e em vários arquivos na Europa, EUA, América do Sul e Austrália. Foram também identificados e contactados foneticistas de diversas nacionalidades que se especializaram no laboratório, cujo testemunho é urgente recolher e preservar. A recolha e análise destas fontes históricas permitirá compreender a natureza e repercussão das práticas científicas do laboratório de Coimbra, podendo servir como base de comparação com estudos de outros laboratórios nesta e noutras áreas de conhecimento. O projecto irá contribuir para a valorização de um espólio científico diverso que posteriormente será disponibilizado ao público através de instituições museológicas e à comunidade científica através de publicações e de um arquivo digital de Fonética Experimental. Ao abrir novas perspectivas sobre a História da Fonética Experimental no século XX, a investigação decorrente do PHONLAB enriquecerá as narrativas históricas e contribuirá para reavaliar as tradicionais dicotomias como a oposição entre centros criativos e periferias passivas, e entender a contribuição desta área do conhecimento na contemporaneidade. Redescobrir os primórdios da Fonética Experimental poderá ter um impacto positivo na nossa actual percepção da Fonética e potencialmente conduzir para o progresso desta área do saber.