Habitar Siza: a experiência e interacção dos residentes com a arquitectura e as microtecnologias de Álvaro Siza
- Instituto de Geografia e Ordenamento do Território(líder)
- Universidade de Évora(parceiro)
- Universidade Nova de Lisboa - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas(parceiro)
Resumo
Este projecto analisa o modo como os moradores de habitação desenhada por Álvaro Siza experienciam e interagem com a disposição espacial dos seus apartamentos, as micro-
tecnologias da casa, os espaços públicos dos edifícios e o estatuto de atracção turística dos prédios onde moram.
A arquitetura de Siza tem sido desde cedo considerada como prestando grande atenção às tradições locais, às pre-existências e ao genius loci (Testa 1984, Frampton 2002, Jodidio
2013), bem como aos métodos participativos de desenho arquitetónico (Fleck 1999, Bandeirinha 2007). Apesar disso, tem sido realizada pouca investigação sobre a recepção e
apropriação de sua arquitetura por moradores dos edifícios projectados por Siza. Este projeto preenche essa lacuna de investigação, concentrando-se na relação entre a arquitectura
historicamente informada de Siza e sua apropriação pelos residentes, uma relação entendida aqui no sentido de recentes desenvolvimentos na geografia arquitetónica que destaca a
forma como os utilizadores, a materialidade e os elementos tecnológicos da habitação co-constituem processos intricados de adaptação e interacção que fazem emergir o evento
"casa" (Lees 2001, Llewellyn 2004, Jacobs 2006, Kraftl 2010).
Esta relação será estudada em todo o espectro social e de riqueza, desde a população de baixos rendimentos para quem o Bairro da Bouça no Porto foi originalmente concebida, até
à população de classe média-baixa da Malagueira em Évora e à população de rendimentos muito altos, ou 'super-rich', dos Terraços de Bragança em Lisboa. Os três estudos de caso
abordarão:
1) a evolução da composição social de cada empreendimento, ligando-a a dinâmicas mais alargadas como a gentrificação de edifícios concebidos por arquitectos famosos presente
na Bouça ou o afluxo de indivíduos estrangeiros de elevado rendimento (HNWIs) presente nos Terraços de Bragança;
2) a medida em que os princípios arquitectónicos enunciados no momento do desenho, incluindo as métodos de desenho participativo dos projectos da Bouça e da Malagueira,
incorporaram os padrões sociais e culturais dos residentes, e como foram subsequentemente experienciados por estes;
3) a arquitetura vivida dos indivíduos nas suas casas, incluindo aqui o modo como pequenas tecnologias (desde puxadores de janelas a maçanetas) ou técnicas de construção de
telhado plano projetadas por Siza, são integradas no modo quotidianos de habitação, num tipo de estudo "polivocal" da arquitetura possibilitada para o qual se convocam
metodologias como a SUYH Show Us Your Home de Jacobs et al (2006a);
4) e, por fim, a forma como os residentes experienciam as suas habitações serem atracções turísticas (Kraftl 2009) e o impacto que configurações arquitectónicas que permitem ao
'turista espreitar' a Bouça e 'errar' pela Malagueira, bem como aquelas que, pelo contrário, retraem o edifício do espaço urbano e permitem alguma ocultação social pelos super-ricos
(Atkinson 2015) nos Terraços de Bragança, têm para o habitar quotidiano.
Conceptualmente situado na intersecção entre a Geografia da Arquitetura, os Science and Technology Studies do ambiente edificado e o Urbanismo, o projecto analisa a ambição de
Siza de projetar uma cidade 'interclassista' (Ascensão 2016) em locais concretos, procurando mostrar o processo de uma arquitetura vivida. Segundo Siza, o trabalho do arquiteto e
as suas “palavras terminam no momento em que os edifícios são entregues aos residentes” (Fleck, 1999: 87). Este projecto centra-se no processo que então começa, dando voz aos
dois agentes até aqui pouco presentes na investigação e literatura sobre Siza - as materialidades e tecnologias deixadas no edifício pelo arquitecto, por um lado, e pelos próprios
residentes, pelo outro.
Esta análise da arquitectura a partir de múltiplos pontos de vista, ou polivocalismo arquitetónico (Llewellyn 2004), será articulada em três fases, correspondendo a oito tarefas de
trabalho (ver em detalhes, 3.2.2). A Fase I (Contextualizações) incluirá a contextualização arquitetónica, de planeamento urbano e história social de cada caso, incluindo pesquisa de
arquivo sobre a produção escrita e desenhos de Siza, bem como o levantamento da composição social dos residentes. A Fase II (Observações) incluirá entrevistas com moradores,
"house visits" etnográficas e solicitação (“elicitation”) do processo de habitar através de sessões de vídeo e fotografia com ‘residentes em acção’ com a sua casa. A Fase III (Análise
e disseminação) divulgará a pesquisa através de outputs académicos, de um website centrado na perspectiva dos moradores e de uma exposição fotográfica com as imagens das
"visitas a casa".
Este projeto tem uma natureza interdisciplinar, ligando a Geografia e a Antropologia à Arquitetura e à Fotografia. Tal está refletido nas diferentes formações dos membros da equipa.
O projeto será aconselhado por dois conceituados investigadores nas áreas da Geografia da Arquitectura (Loretta Lees) e da Ciência e Tecnologia da Cidade (Ignacio Farias).