Os Estudos Ibéricos têm conhecido um desenvolvimento notável nas últimas décadas e um dos seus principais objetivos tem sido dar voz à diversidade cultural que coexiste, nem sempre sem conflitos, na Península Ibérica. No entanto, a revisão do corpus deste campo de estudo realizada por Esther Gimeno Ugalde e Santiago Pérez Isasi (“Lo ‘ibérico’ en los Estudios Ibéricos: meta-análisis del campo a través de sus publicaciones (2000-)”, 2019) revela uma inércia centralista que “parece replicar-se no seio dos próprios Estudos Ibéricos”. Um estudo mais recente de Pérez Isasi, “Luces y sombras en los Estudios Ibéricos. Un estado de la cuestión diez años después” (2021), confirma que essa inércia persiste sob a forma de uma “estrutura radial das relações literárias ibéricas [que] reaparece, assim, de forma fantasmática, mesmo quando se tenta combatê-la”. A demografia e o apoio estatal fazem com que as culturas portuguesa e espanhola acabem por assumir um protagonismo incontestável. Esta dinâmica tende a invisibilizar comunidades culturais minoritárias, dificulta a inteligibilidade de situações de conflito interliterário e confirma uma cartografia oficial “organizada em torno de alguns poucos centros de poder capazes de conferir visibilidade e valor de intercambialidade”, como argumenta Àlex Matas em “Cartografía ibérica y literatura comparada en La pell de la frontera de Francesc Serés” (2017).
Atendendo a esta realidade, tem-se assistido, no seio dos Estudos Ibéricos, em algumas ocasiões, à reivindicação de uma perspetiva multicultural e plurilinguística, como a proposta por Enric Bou em Invention of Space (2012), assim como de uma relação não hierárquica entre os seus componentes, como defendia já Joan Ramon Resina em “Hispanism and its Discontents”, em 1996. Estas reivindicações revelam-se pertinentes e necessárias nestas primeiras décadas de um século XXI marcado por fenómenos voláteis, incertos, complexos e ambíguos.
Neste horizonte, a presente ação de investigação pretende lançar luz sobre algumas questões pouco abordadas pelos Estudos Ibéricos, com o objetivo de respeitar a complexidade implícita ao território peninsular. Uma dessas questões diz respeito à delimitação geográfica do objeto de estudo, que motiva um estatuto ambíguo de territórios frequentemente excluídos, mas por vezes também reivindicados como tarefas por cumprir: Baleares, Canárias, Madeira, Açores, Gibraltar, Ceuta, Melilla, o Rossilhão francês, Iparralde, a expansão colonial ou os enclaves do exílio e da emigração. Outra questão prende-se com a visibilidade de comunidades minoritárias em situação de precariedade institucional, como as culturas occitana, aragonesa, asturiana, afrodescendente ou cigana.
Tudo isto contribui para contestar a identificação entre território, língua, literatura e unidade administrativa, que reduz a diversidade ibérica a blocos descritos a partir do poder institucional. Em suma, esta ação de investigação procura abordar uma série de problemáticas específicas do iberismo habitualmente negligenciadas e desautomatizar as abordagens críticas estabelecidas, oferecendo, assim, novas perspetivas que emergem quando se revê a agenda dos Estudos Ibéricos a partir das margens.
Eixos temáticos
1.(Pen)insularidades
A dimensão ibérica dos territórios insulares politicamente dependentes dos Estados peninsulares é problemática, pois essa dependência tem sido intermitente e o seu vínculo geográfico é bastante desigual, tanto pela distância quanto pela sua filiação continental. No entanto, as ilhas revelam-se fundamentais para a noção de ibericidade, na medida em que obrigam a repensar a sua territorialidade tanto política como geograficamente. Apesar do seu presumido isolamento, têm sido espaços de conexão, seja durante a expansão colonial, seja atualmente como nós da rede do turismo global.
2.(A)fronteiras
Os Estudos Ibéricos tendem a fazer coincidir o limite do seu objeto de estudo com a fronteira política entre Espanha e França. No entanto, do ponto de vista geográfico, o istmo situa-se 100 km mais a norte. Esta correção permite não só incorporar o Rossilhão e o País Basco francês, como também ampliar o elenco de culturas ibéricas integrando a francesa e a occitana. Conceber a fronteira política não como linha divisória, mas como articulação entre territórios e culturas — aquilo que Òscar Jané denomina por afronteira — permite rever outros espaços como a Raia extremenha ou a Franja de Ponent.
3.Literatura peninsular deslocada: exílios e emigrações.
A história colonial das monarquias peninsulares e da burguesia catalã, aliada à relevância das migrações e do exílio para a continuidade e desenvolvimento das culturas catalã, galega e basca, torna pertinente um exercício de deslocalização do ibérico, como o que Saramago propôs com a sua noção de “transiberismo”. Esta perspetiva contribui para desidentificar as relações entre território, língua, cultura e instituição, permitindo integrar os desenvolvimentos das culturas periféricas durante o exílio como parte da história do iberismo. Simultaneamente, abre caminho a abordagens pós-coloniais da análise das metrópoles.
4.Afrodescendentes ibéricos.
Os processos de seleção que moldam as histórias literárias nacionais tendem a excluir fenómenos, acontecimentos, obras e figuras que não se ajustam aos critérios identitários estabelecidos. Estes critérios não se limitam tradicionalmente ao aspeto linguístico ou ideológico, abrangendo também questões de género e etnia. Uma revisão da história cultural peninsular permite visibilizar minorias marginalizadas que, no entanto, desempenharam um papel essencial no desenvolvimento da cultura popular. Entre estas, destaca-se a comunidade descendente da África subsaariana, cujo impacto, evidente em Portugal, também pode ser rastreado em Espanha desde o século XVII. Este coletivo participou, por exemplo, na repovoação das Caraíbas — como os andaluzes "negros curros" — e, mais recentemente, inclui exilados da Guiné Equatorial, muitos dos quais músicos e escritores de expressão espanhola.
Coordenadores
: Bernat Padró Nieto (Universitat de Barcelona) e Jesús Revelles Esquirol (Universitat de les Illes Balears)
Investigadores
:
• Àlex Matas Pons (Universitat de Barcelona)
• Ana Cristina Correia (Universidade dos Açores)
• Ana Garrido (University of Warsaw)
• Ana Isabel Moniz (Universidade da Madeira)
• Cel Muñoz (Universidad Nacional de Educación a Distancia)
• César Rina (Universidad Nacional de Educación a Distancia)
• Jordi Cerdà (Universitat Autònoma de Barcelona)
• Larisa Pérez Flores (Universidad de Las Palmas de Gran Canaria)
• María Jesús Fernández (Universidad de Extremadura)
• Mercè Picornell (Universitat de les Illes Balears)
• Miguel Filipe Mochila (Universidad de Puerto Rico)
• Òscar Jané (Universitat Autònoma de Barcelona)