PRIMÁRT_Redescoberta da ARTe Mural em Portugal: Estudo Histórico e Científico do Arquiespiscopado de Évora (1516-1615)

Desde o primeiro quartel do século XVI até ao início do XVII, passaram por Évora os melhores mestres, portugueses e estrangeiros, aliando os valores do Renascimento, à tradição da espiritualidade cristã. A sua presença promovida pela permanência da corte na cidade, lançou bases para o desenvolvimento do saber e das artes a nível regional e nacional. Figuras como o pintor flamengo de óleo e de fresco Francisco Campos (1550-1580), o escultor francês Nicolau de Chanterenne (1470-1551) e o escritor eborense André de Resende (1500-1573) marcaram o apogeu artístico e cultural da cidade. 

Durante este período Évora foi por diversas vezes- primeiro com D. Manuel (1495-1521) e o ambiente áureo dos Descobrimentos Portugueses, depois com D. João III (1521-1557)- a capital política e cultural do reino, núcleo da diplomacia internacional, a partir da qual o monarca geria todo o império. O simbolismo universalista da cidade representou um forte ascendente mesmo durante o domínio espanhol, quando o advento do Concílio de Trento já impunha novas diretrizes à Arte, na transição para o Maneirismo contra-reformado.

O data de inicio do presente projeto coincide com a data de publicação do Cancioneiro Geral de André de Resende (1516). Esta obra literária inspirou uma das pinturas murais emblemáticas do núcleo eborense - As Casas Pintadas de Vasco da Gama (c.1520). O terminus coincide com a data de publicação (1615) do tratado Arte da Pintura de Filipe Nunes que marca o contexto artístico português na primeira metade do século dezassete.

O corpus estilístico, técnico e material dos pintores de cavalete do núcleo eborense tem sido estudado, bem como o dos artistas que trabalharam em outros núcleos que irradiaram de Évora (como Montemor-o-Novo ou Vila Viçosa). A mesma análise pretende este projeto agora realizar para os pintores murais da região (muitos deles desconhecidos), considerando que foi neste período que a pintura mural atingiu o seu máximo esplendor. Importa avaliar até que ponto artistas foram influenciados pelo ambiente cultural de Évora, executando quer composições de cariz clássico e humanista quer outras de rutura com as novidades externas.

O problema acresce quando se avaliam os aspetos técnico e material dessas pinturas. Até que ponto os pintores seguiram a prática do buon fresco, enfatizada por  teóricos de arte, como o português Francisco de Holanda após convivência com Miguel Ângelo em Roma (1541)? Teriam os artistas apreendido e reinterpretado essas diretrizes à luz da sua experiência pessoal?

Importa identificar pontos de contacto entre pintura mural e de cavalete ao nível de elementos formais e construção de composições, utilização de materiais e definição da paleta cromática, no sentido de se esclarecerem autorias. Para tal, o projeto alia dados documentais e bibliográficos aos resultados de um vasto conjunto de técnicas de análise de superfície e caracterização material.

O exame científico das pinturas torna-se fulcral, sobretudo nos casos onde não existe documentação. A ausência de pinturas assinadas ou datadas tem conduzido a atribuições baseadas em análises estilísticas, pouco credíveis, pelo que os exames científicos serão uma mais-valia. A (re)definição do corpus da pintura mural eborense, das suas oficinas e das relações com outros centros artísticos (portugueses e europeus) é uma questão de relevância acrescida para a qual o projeto contribuirá decisivamente.

O plano de investigação consiste em três abordagens:

• investigação de História e de História da Arte com recolha e avaliação de documentação, sua integração nos resultados obtidos da caracterização material e de superfície, permitindo uma análise crítica das obras de arte e sua contextualização com a mentalidade da época;

• análise de superfície das pinturas através do exame detalhado por fotografia visível e rasante, macrofotografia e fotografia de fluorescência de UV e IV. A metodologia adoptada permitirá recolher dados sobre as técnicas de execução e avaliar estado de conservação da paleta cromática;

• caracterização material conjugando técnicas de análise in-situ (espectrometria de fluorescência de raios-X in situ, espectrofotmetria no vísivel) com técnicas analíticas laboratoriais (micro-Raman, FTIR, GC-MS,) e técnicas microscópicas (microscopia de campo escuro e microscopia electrónica de varrimento) que permitem obter informação sobre os materiais pictóricos e suas possíveis origens.

O projeto nasce da colaboração entre o laboratório HERCULES e Departamento de História da Universidade de Évora, Departamento de História de Arte da Faculdade de Letras e Centro de Física Atómica da Universidade de Lisboa e Direção Regional de Cultura do Alentejo, integrando uma equipa pluridisciplinar com know how adequado para analisar os resultados e promover  a sua divulgação ao longo de três anos a nível nacional e internacional.